17.1.08

Estranho Verbo

Um texto que escrevi há muito muito tempo, quando havia mais sombra do que luz, quando a luz demorava tanto, quando a sombra nunca era refresco e descanso, quando muitos verbos ainda eram estranhos para mim, principalmente este que agora brilha...




Estou sem mãos para o meu desamparo. Ergui os braços mais cheia de ar do que de coisas. Entendi: fui muito leve até onde vai um sentido. Mas agora cai o peso. E cai como se não houvesse queda mais provável ou libertação mais impossível. Grave engano esse: o de construir o de pertencer. Parece que não há lugar no qual se encaixe essa urgência. Eduquei-me silenciosa e no escuro a gozar com pequenas carícias. Sou delicada em minhas impurezas. Cuido para que depois da língua venha sempre o verbo. Não apenas a saliva e os lábios. Ah, o amor. Abri o peito as pernas para que ele se deitasse sobre dentro. E ele se deitou. Enfim.


Nessa noite não haverá nada mais breve. O resto é porém. Cultivei alegrias. Talvez seja apenas isso que posso dizer: que as cultivei. Depois a palavra veio como um grito. E assim eu não gosto. O som desprovido de uma forma parece um movimento sem ação dentro. Gritar é o primeiro e último estágio de uma comunicação perdida. E com esse susto (o de não dizer) não posso. Dói o silêncio que não se esvazia.

Ah quando ele não tinha nome e eu não precisava chamá-lo. Quando não havia tanto esse querer de um outro aqui. Era bom. No entanto era como não saber uma coisa e intuir quase no faro que em algum lugar existe essa coisa e que é preciso conhecer. Enquanto permaneceu o mistério eu vivia num estado certo, mas assim como se esperasse a qualquer momento uma incerteza. Então. Como uma criança que acorda cedo para ir à missa e porque é manhã e estava há pouco dormindo vai cantando hinos até a igreja. E porque a sua voz é linda e naquela semana carrega ainda intacto o orgulho de não ter cometido nenhum pecado nem dos grandes nem dos pequeninos vai seguindo o seu caminho certa do sermão da missa e lá no fundo na pontinha do sentimento que a fez se comportar tão bem vai esperando encontrar todo forte e altivo no altar não o padre nem os santos muito menos a hóstia ou os coroinhas – mas Deus. Porque está de jejum e estava há pouco sonhando. E no seu sonho havia música. Ela vai esperando um milagre. Essa criança sou eu.

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