20.11.05

Demais

E de repente a percepção que as palavras extrapolaram os sentidos
tornaram-se sentido nenhum
tornaram-se qualquer sentido
tornaram-se o que se torna quando nada
quando tudo quando tanto faz
E de repente a vontade de emudecer
juntar cá dentro as palavras
como quem reune forças
como quem armazena alimento
para hibernar como urso grande e quieto
De repente a vontade de cobrir, de esconder, de criar obstáculos, etapas
para o que estava tão à mostra, tão às claras, tão fácil
De repente a vontade do difícil, do complexo, da economia
do poupar-se
de repente o silêncio por fora pode fazer as palavras mais fortes
aqui dentro
de repente

3.11.05

Desejo de Noll

"Mas isso que você chama de imagético eu chamo também de pele da linguagem. Que tem uma musicalidade. Alguma coisa ligada à fome de beleza [...] acho que é uma certa compensação, pelo menos na minha luta de chegar à poesia. Estou querendo cada vez mais esse hibridismo - prosa e poesia - mas que não seja aquela prosa poética um pouco engalanada, que não me interessa. Mas reconheço no meu texto uma vertigem musical. [...] Acho importante que exista realmente uma questão explícita onde possa ser apresentado realmente um estilo musical - que tenha, digamos, um pouco de religiosidade, de repetição, de ladainha. [...] Claro que esta busca pela beleza não passa pelo ideal clássico, cadavérico, pronto, amplamente posto nos altares; mas uma beleza que seja furiosa, que seja até deselegante, horrorosa, feia. A literatura não é um documento naturalista. A gente tá empapuçado de naturalismo. E a literatura necessita de uma transfiguração estilística. Aquela utopia do Álvaro Ítalo: toque no meu poema, toque no meu poema. Minha utopia hoje é dissolver as fronteiras entre prosa e poesia. Tento captar a realidade através do que a linguagem me indica. [...] Realmente, o que vai me puxar, me arrastar e me movimentar em direção à ação do livro não é uma idéia de conteúdo prévio, mas é aquilo que a linguagem vai abrindo para mim. Como se realmente a linguagem fosse um exercício desejante de ação."

João Gilberto Noll

Mistérios de Clarice

"Não pinto idéias, pinto o mais inatingível "para sempre". Ou "para nunca", é o mesmo. E antes de mais nada te escrevo dura escrita. Quero como poder pegar com a mão a palavra. A palavra é objeto? E aos instantes eu lhe tiro o sumo de fruta. Tenho que me destituir para alcançar cerne e semente de vida. O instante é semente viva."

* * * *
"A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio."
* * * *
Clarice Lispector, em Água Viva

2.11.05

Estética

Desvios na narrativa. Um olhar diferente no modo de contar a história. O lado oblíquo das coisas. Quase que ver pelo avesso, ver por dentro, como uma câmera intrusa dentro de um corpo, o personagem, o mundo.

Me parece muito mais interessante do que virar simplesmente o texto de cabeça pra baixo, por virar. Tirar vírgulas, por tirar, buscar um vistuosismo da forma, que é forma virtuosa, mas não é estética.

Estética é quando o autor cria sua própria lógica, seu próprio organismo vivo com a linguagem.

É muito complexo criar uma voz narrativa original. Complexo, não de grau de dificuldade, mas de pensamento sobre a escrita.

Guimarães, Clarice, Hilda, Noll, Cortazar, Calvino, Borges, Kafka, Becket e poucos outros fazem isso.

Ressurgindo

Demorei tanto para fazer o blog que, quando finalmente faço, um problema técnico fatal não me permite postar mais, de repente. Desde setembro que venho tentando, e nada. Enfim, resolvi fazer este blog novo, colando os post do outro, aos poucos.
O http://www.apequenamorte.blogspot.com/ainda existe, mas desapareceu para mim, nao faz login, nada. Mistérios sem explicações do mundo dos Blogs.