29.12.05

livros devoradores

Saudade de devorar um livro e de ser devorada por ele.

De não conseguir largar o coitado. Ficar pensando nele. Sonhar com os personagens. Sentir a falta deles na rua quando o livro está em casa.


A questão aqui não é voltar aos clássicos, como se com eles a fome fosse certa. Não é. Há muitos chatos, há muitos maravilhosos.

A questão não é contrapor clássico X contemporâneo como se agora não se escrevesse livros devoradores. Essa visão seria simplista, anacrônica. Se escreve, sim, livros devoradores.

Nem colocar em pauta a experimentação X tradição, medindo as duas forças e qualificando uma em detrimento da outra.

Até porque entre uma e outra dou a mão aos que colocaram a linguagem ao avesso e ainda tentam levá-la a caminhos originais.

A questão é uma certa percepção de que há uma idéia meio formada de que experimentar na linguagem significa abandonar história e personagens.

Quando digo história, digo experiência, vivência, não uma historinha careta com início-meio-fim. Às vezes a experiência de um segundo na vida de alguém, um pensamento, uma descoberta.

O resultado muitas vezes monótono é uma voz falante e vertiginosa que na verdade não tem vertigem nenhuma dentro de si, apenas o movimento que se acha que a vertigem tem. Muito racional.

Quanto mais leio mais concretizo a idéia de que experimentar na linguagem é experimentar os modos de contar a história, os modos de tratar o personagem, tirar dos parâmetros estabelecidos, fazer de outra forma. É a relação original entre os elementos da escrita que faz a narrativa ser única e apaixonante.

A forma é muito importante, mas ela nasce de algum lugar, e, ao meu ver, não é do escritor. Da vontade pessoal do escritor. Ela nasce do imaginário, faz parte deste lugar que é a literatura.
A literatura é um universo próprio. E, por mais que seja praticamente irresistível, sedutor e fascinante, não é o escritor que mora nesse universo, é a escrita.

26.12.05

De um leitor que não é um qualquer...

Sabe, às vezes a gente se cansa de tanta experimentação...
Às vezes a gente só quer se sentar e ouvir uma boa história...

12.12.05

Uma Menina


Uma menina abria o livro - coração aos pulos - ávida para ver nas páginas vidas, situações, sentimentos que ela não conhecia. Ou conhecia, conhecia muito bem, a ponto de doer de alegria ou de dor mesmo se encontrava no papel o que tinha no peito.
Ler não era nada intelectual para essa menina. Aliás, ela nem conhecia essa palavra. Ler era muito mais uma... aventura... uma brincadeira... um susto?
Ler era uma delícia.
Tanto que essa menina quis logo aprender a escrever. Não porque a escola mandava, mas porque escrevendo ela ia poder fazer suas histórias também.
E fez.
E cresceu.
E crescendo não se sabe porquê a moça foi achando que escrever as histórias era uma coisa muito mais da cabeça do que do... do que mesmo?
Não, não era do coração, isso seria muito sentimental para essa moça tão estudada.
Da imaginação, talvez.
Isso, imaginação pode, porque também se localiza na cabeça, que nem o pensamento, a razão.
Mas a diferença é que a imaginação se faz de muito sonsa, sabe. Finge que vai ficar só por ali mesmo na cabeça, mas de repente dá um pulo e voa.
A moça fica assustada. Esse vôo tem forma? Esse vôo tem estilo? Esse vôo tem ritmo? Esse vôo se basta como vôo? Esse vôo tem influência de outro vôo? Esse vôo já foi feito? Esse vôo voa sozinho? Esse vôo precisa ser refeito? Esse vôo vai ficar voando assim? Esse vôo não pára? Esse vôo não aterriza?
Aterriza, moça.
Aterrizou.
E pode voar de novo?
Pode, moça.
Mas, como?
Ué, a moça não estudou tanto?
Estudei, mas nos estudos não tem essa parte, de alçar vôo. Nos estudos a gente só pensa do vôo quando já é vôo, não antes de ser. Antes de ser, eu não sei.
Ninguém sabe, minha menina.
Então?
Não era melhor ter deixado voar?

pensar e escrever

Pensar sobre a escrita? É bom. Estudar autores, textos, estilos, técnicas. Mas há a hora de deixar os dedos correrem apenas. Apenas sentir. Apenas escrever. Sem pensar no resultado. Sem pensar na opinião das pessoas. Sem lembrar que existem pessoas. Sem lembrar de outro universo a não ser aquele que está sendo escrito/criado. Escrever sem perseguir nada. Querer nada. Escrever apenas. Deixar as palavras saírem, puro movimento sem elaborações. Palavra como respiração. Abandonar o intelecto. O intelecto quer sempre uma forma, um estilo, uma direção. Ser direção nenhuma. Deixar que a forma se faça por si mesmo, se se fizer. Deixar o amorfo, se for o caso. O amorfo é forma sem forma. Deixar a palavra nascer da própria necessidade dela. Do próprio grito, da própria urgência, do próprio sonho.

Lembrar que escrever é imaginar. Lembrar que a imaginação tem forma própria. É só deixar acontecer. É só não criar teorias sobre.
Escrever imaginando, não teorizando. Pensar sobre a escrita, sim. Escrever pensando, não.