27.9.06

Sabe? Sabe? - Parte 2

Sabe o que é ver passar os dias, meses, sem tempo de colocar as mãos os dedos nas páginas frases palavras que até então eram suas - íntimas como é íntimo o corpo de quem se ama?

Sabe quando você se afasta tanto do seu texto, tanto, tanto, que - depois de meses sem olhar para ele - quando, enfim se depara com as páginas escritas, não as reconhece mais?

Sabe o que é procurar no texto - como quem procura no rosto de um antigo amante- o rastro do que um dia te pertenceu? os traços que se reconhecia pelo tato? o percurso que se fazia de olhos fechados?

E sabe o que é imprimir o seu texto - quase trezentas páginas- não para revisá-las ou para lê-las de novo, mas apenas e exclusivamente para abraçá-las? Sabe o que é a necessidade de confirmar- depois de tanta ausência - de que elas existem realmente e não são apenas uma imagem em seu computador?

Sabe o que é, enfim, ler o que se escreveu durante quatro anos vendo, na sua frente, quatro anos se passarem, enquanto, no papel, nada mais há além do que está escrito? Nada mais há além de uma história que não é a sua?

Sabe o que é guardar o livro impresso na estante com o espanto inevitável que tudo aquilo não te pertence mais? E, ao mesmo, tempo, sabe o que é ter a certeza, quase como um segredo, de que aquelas quase trezentas páginas nao saíram de outro lugar a nao ser de você mesmo?

E sabe o que é saber isso, não por uma constatação racional, mas por um vazio incrível no corpo? uma neblina qualquer na alma? um soco qualquer no estômago? uma alegria qualquer por outras vidas (as escritas)? uma preguiça qualquer nos dedos? uma angústia qualquer de noite de dia? uma vontade qualquer de escrever qualquer coisa? uma saudade qualquer de papel e caneta? um deserto absurdo de sentidos e palavras? uma urgência única de pertencer de novo?
Sabe? sabe? sabe?