2.12.07

Esta menina

Estava outro dia reescrevendo uma passagem do romance. Eu apagava, escrevia, lia, apagava, tomava café, voltava, lia, escrevia, apagava, tomava banho, voltava, escrevia, escrevia, escrevia escrevia, deixava, via mail, via janela, via tv, voltava, lia, apagava, escrevia, escrevia, foi assim até à noite, quando deixei para ler no dia seguinte a última versão do que fiz. E fui rodopiar pela casa, arrumei almofadas, abri geladeira, fiz o jantar, e enquanto esperava meu marido, peguei assim como quem não quer nada um livro. Assim, distraidamente, peguei o livro que estava mais ao alcance da mão. Meus olhos viram depois dos dedos que eu havia pegado, Albúm de família, da Clarice. (Coincidência? Não fiz a pouco um post com ela?) E meus dedos abriram antes da mente perceber na página do conto A menor mulher do mundo (coincidência? não havia trabalhado há pouco este conto no curso de criação literária?).
Coincidência ou não, reli o conto, que eu acho simplesmente um dos melhores do mundo. Reli no impulso de quem havia pegado o livro meio sem querer, impulso distraído, que trouxe frescor inesperado à leitura de um conto que há anos sei de cor. O prazer que senti foi imenso. Sempre me comovo com este conto, mas desta vez não foi uma comoção, digamos, estética, como a que tive quando trabalhei o conto na aula, foi uma comoção além, e, ao mesmo tempo, aquém, que me re-lançou na cara a leitora-menina que fui e espero sempre ser. Me trouxe este gosto fantástico, que é o de ler um texto que agrade, divirta, comova, perturbe, ultrapasse, surpreenda, mobilize e, até mesmo, desagrade.
Sem dúvida, esta ligação afetiva-imaginária com a leitura me levou a escrever.
E fiquei pensando: será que é esta ligação que tenho -ao ler- que busco -ao escrever?
Será que é por isso que só me dou satisfeita com uma página quando, de certa forma, ela me perturba ou me comove, ou me surpreende?
(É uma questão pessoal, sabe, que produza esses efeitos em mim, quem escreve, sem pretensão nenhuma de escrever uma página "surpreendente", "comovente", "perturbadora" para outra pessoa, o leitor. Sim, que fique claro que a cabeça até pode voar, mas os pés estão no chão, os dedos estalam e a coluna dói).
Então:
Será que o escritor está sempre tentando resgatar, ou re-criar, ao escrever a sua história, a paixão que sente ao ler?
Como se sempre estivéssemos estendendo a mão para os grandes impactos com a leitura que tivemos, sempre buscando a fonte que despertou aquela sensação primeira: o amor pelos livros.
Neste ano, principalmente, uma coisa muito bela aconteceu: reencontrei a menina apaixonada por histórias que eu fui ao lembrar por acaso um episódio de quando me alfabetizei. Desde então, tenho sentido que escrevo com mais... ... paixão?
... com maior desligamento ou despreocupação da escrita como "profissão", e de todo o seu kit?
Talvez seja isso, não sei. Sei que agora uma brisa mais fresca corre por aqui... e nunca mais escrevi de outro jeito, a não ser de mãos dadas com esta menina.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Será que o escritor está sempre tentando resgatar, ou re-criar, ao escrever a sua história, a paixão que sente ao ler?"

Bingo! Vc acertou em cheio, Claudinha!!! E talvez seja mais fácil achar legítimo o que encontramos fora, mesmo quando o que está lá reproduza com precisão o que se passa cá dentro.
E a gente procura, procura... vive dessa procura, e mesmo quando não encontra, de um jeito ou de outro, é bom. Mesmo essa angústia é boa, porque nos movimenta da mesa pra janela, da janela pro livro...

E romance??? (pergunta infame, né?!!! rss...)
E nosso café????

passa lá no intrafaces quando puder...
beijos, querida