14.12.07

O PINTINHO



Eu estava na alfa e ia encarar a minha primeira prova. Era de leitura. Ninguém sabia qual história a gente ia ler, a surpresa fazia parte do teste. Também fazia parte a leitura ser para a diretora da escola, não para a nossa professora querida. Sabe-se lá de onde vem esses requintes de tortura, mas era assim. Lembro que estava todo mundo elétrico, a diretora tinha cabelos brancos em cachos de caracol em sua cabeça. Podia parecer um anjo, mas não era. Era uma mulher muito ocupada e muito séria. Para aumentar o requinte da nossa prova-tortura, ficávamos todos na sala, em nossas carteiras até sermos chamados pelo nome. Aí nos levantávamos e seguíamos a nossa professora querida por um corredor que lá pelos meus cinco anos achei enorme. Uma porta azul fechada então era aberta e lá estava: a diretora que de anjo só tinha os cabelos.
Lembro que atravessei o corredor comprido com a mesma ansiedade dos meus amigos. Entrei pela fronteira azul com a mesma expectativa assustada. Mas assim que vi os caracóis brancos, tentei me recompor. Olhei a diretora com desconfiança, sem deixar ela perceber que eu sabia que ela sabia que eu sabia muito bem que de nós duas ali, era eu, sentada na cadeirinha amarela, a única em desvantagem.

E foi quando tirei os olhos da diretora para olhar a prova.

E, por uma dessas mágicas que acontecem e transformam uma coisa em outra, a prova de repente não era mais uma prova: era um livro.

E a diretora sumiu com seus cabelos de caracol branco e com a sua tortura requintada para algum reino longe da porta azul.

Ali, ficou só a história. O Pintinho.

Nenhum comentário: