

Para começar, um detalhe curioso: sempre que participo de uma mesa de bate-papo com outras escritoras, é fatal a pergunta sobre literatura feminina. Ela existe? onde está? o que é? é um pássaro? um avião? a mulher-maravilha?O curioso é que, quando estou entre escritores másculos e barbados essa pergunta não aparece para mim. Para eles, muito menos. O que perguntam? Sobre linguagem, estilo, história, personagens, tramas, criação, enfim, sobre literatura.É por essas e outras que torço o nariz quando escuto o adjetivo feminina atrás do substantivo literatura. Parece que, nós, escritoras, estamos atrás da substância – a literatura – tentando alcançá-la como um objeto distante e estranho – já que não estamos implícitas dentro do reino da palavra literatura, como estão os escritores, precisamos ao menos estar ao seu lado, com o adjetivo "feminina".Ok. Posso estar exagerando. Exagero ou não, vamos lá.No encontro Livros na mesa, "Nova literatura brasileira", uma jovem fez a pergunta, dizendo que, no mestrado, ela está estudando uma disciplina sobre literatura feminina e entendeu que o termo se refere a algo mais do que a determinação se é um homem ou uma mulher que está escrevendo, mas a algumas características no texto ditas como femininas: delicadeza, leveza, sensibilidade, lirismo, subjetividade, etc.Por exemplo, o texto da Patrícia Melo não seria feminino, o da Adriana Lisboa, sim. O do Caio Fernando Abreu, segundo esse conceito, seria também.Eu, que também fiz mestrado de literatura e também entrei em contato com a "literatura feminina", sempre questionei essa posição. Para mim, se ser "feminino" virou uma espécie de estilo literário, não tem nada a ver com o sexo de quem escreve, que se arrume outro nome, ora, outro conceito. Que seja, literatura "sensível", ou, "literatura da delicadeza", enfim. A Adriana Lisboa falou e disse que esse conceito é equivocado, esteriotipado: ser feminino é ser necessariamente delicado? É ser sensível? Subjetivo? É falar da família? De amor? Ora, digo eu,


Sobre Literatura Feminina - II - O retorno

Ainda de nariz torcido:Acho que não se pode falar mais em literatura feminina da maneira que esse termo é usado geralmente, como um adjetivo que classifica e encerra o assunto. “As escritoras fazem literatura feminina”, isso soa redundante e banal demais. Mulheres e homens escrevem e é meio óbvio que cada gênero/sexo possui um olhar próprio e uma qualidade diferenciada desse olhar. Mas, dentro dessa diferenciação homem/mulher há a pessoa, há as vivências, particularidades e estilos de cada um, que, no meu entender, são o que mais contribuem para essa ou aquela escrita, e não simplesmente o sexo de quem escreve. Não é possível colocar no mesmo lugar a literatura de Hilda Hist e a de Clarice Lispector, a de Márcia Denser, Raquel de Queiroz e a de Lygia Fagundes Telles, como não e possível colocar no mesmo lugar Nelson Rodrigues e Guimarães Rosa, Raduan Nassar, Sérgio Sant'Anna e Graciliano Ramos. Entendo que, como no século XIX, as mulheres que escreviam viviam sob o preconceito e a invisibilidade, no século XX, as escritoras que emergiram tenham causado impacto e deixado suas marcas, pois estavam trilhando um caminho até então cerrado. É natural, portanto, que o termo “literatura feminina” tenha surgido quase como que uma demarcação de território, uma conquista. Assim como no século XX se deu os estudos do feminino na literatura e a questão de gênero. Tudo isso é e foi necessário, e é nesse sentido que eu entendo “literatura feminina”. Não entendo, por exemplo, quando estabelecem características fixas, como: subjetividade, sentimentalismo, temas cotidianos da “mulher” (leia-se: coisas de casa, marido, filho, etc.; como se apenas as mulheres vivessem essa realidade). Para mim, é uma visão que não só reduz como procura desqualificar o trabalho de escritoras totalmente diferentes em seus temas e linguagens.Clarice, por exemplo, é muito estudada, pois se tornou praticamente o ícone das escritoras, é talvez o nome mais conhecido, quase institucionalizado. Provavelmente, ela não iria gostar muito dessa institucionalização, pois a sua escrita está longe do cânone e do convencional. Mas não adianta, quanto mais estudam e pesquisam Clarice, mais o enigma se afirma. Acho que a sua obra é referência para qualquer escritor, homem ou mulher. Livros como Água Viva, A maçã no escuro, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Cidade Sitiada e os contos de Laços de família e Felicidade Clandestina são construídos com narrativas tão diversas que não dá para falar que o texto de Clarice é sempre subjetivo, intimista, reflexivo, portanto, simplesmente “feminino”, isso reduz a imensa escritora que ela é.
3 comentários:
Anônimo disse...
Clap, clap, clap!!!!!!
BRAVÍSSIMO, Cláudia.
Maju
Sábado, 13 Agosto, 2005
Matou a pau, garota!
Ah, você pensa como eu! Esse termo talvez fizesse sentido antigamente, quando as escritoras tinham muitos pontos em comum por causa da repressão que sofriam (todas). Isso acabava fazendo com que os temas fossem parecidos e, quem sabe, a maneira de se expressar também (mesmo que sempre existam exceções). Hoje em dia, não faz sentido. Então todo mundo devia largar mão logo do termo e esquecer dele, ponto.
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