28.3.09

Sobrevida II

Às vezes
o dia não rende
nada se resolve
nada acontece
nada brilha
todas as coisas ganham o formato de fila no banco
compras no mercado, números a somar e subtrair
E de repente
quando tudo parece perdido
quando você já está acreditando
que dessa semente não sai fruta
que a poeira nunca mais deixaria os móveis
que o piloto estava para sempre no modo automático
Algo se rompe
algo se quebra
algo arrebenta
algo explode
de uma forma que
por mais que doa um pouco ou muito
você logo reconhece
que é necessário
romper
quebrar
arrebentar
explodir
para isso:
uma frase ou duas
apenas isso:
uma frase
que renda
que resolva
que aconteça
que brilhe mais
do que o dia


*
*
*

Sobrevida I

Às vezes
Tem poemas que esbarram com a gente
como numa esquina...
quando estamos indo para um caminho
o poema para outro
e ambos no mesmo sentido...



O dia inteiro


O dia inteiro perseguindo uma idéia :
vagalumes tontos contra a teia
das especulações, e nenhuma
floração, nem ao menos
um botão incipiente
no recorte da janela
empresta foco ao hipotético jardim.
Longe daqui, de mim
(mais para dentro)
desço no poço de silêncio
que em gerúndio vara madrugadas
ora branco (como lábios de espanto)
ora negro (como cego, como
medo atado à garganta)
segura apenas por um fio, frágil e físsil,
ínfimo ao infinito,
mínimo onde o superlativo esbarra
e é tudo de que disponho
até dispensar o sonho de um chão provável
até que meus pés se cravem
no rosto desta última flor.


Claudia Roquette-Pinto


8.3.09



e a saudade: esse pequeno sol no peito.


O RETORNO

Devo desculpas aos meus 3 queridos e hipotéticos leitores deste blog, se esses já não desistiram, por este tempo todo sem postagem. As causas foram duas: a primeira, muito trabalho e pouco tempo, apesar da vontade. A segunda, mais cruel: quando enfim ia postar, o blogger simplesmente não me reconhecia. Não consegui entrar no meu próprio blog por alguns meses. Depois de alguns e-mails de socorro, consegui resolver o problema e aqui estou.

Uma das coisas que queria ter escrito aqui, e escrevo agora, é sobre a incrível diferença atmosférica que sinto após ter terminado o romance. Sei que quando estamos envolvidos em um projeto, seja ele qual for, ele se torna na maioria das vezes a referência de nossos dias. Tudo flui e conflui por ele e para ele e assim foi com o romance. Mesmo quando eu não estava escrevendo, eu estava. Quer dizer, a relação com o livro continuava, apesar da distância. Antes, quando escrevia contos, eu entrava e saía das atmosferas de cada um talvez sem perceber intensamente o quanto eu era absorvida por elas. Com o romance sobre a Eufrásia Teixeira Leite, houve um momento crucial na escrita, em que percebi que precisava me aproximar mais dos sentimentos da personagem. O romance não é em primeira pessoa, mas eu precisava de uma voz íntima. Eu ou o livro, não sei, talvez, nós dois. O que sei é que só agora percebo como estava imersa no universo do livro, tantas vezes sombrio e melancólico, tão diferente da minha natureza. Estranho que eu parecia eu, como sempre fui, mas de algum modo a atmosfera de algumas passagens do livro, os sentimentos que essas passagens exigiam, as reflexões que despertavam, as feridas que eram necessárias sentir para escrever sobre elas, a tensão entre as relações dos personagens, as conseqüências de atravessar por essas relações e personalidades para escrever sobre elas, tudo isso e mais, foi me contaminando, me trazendo um sentimento introspectivo e fechado ao resto do mundo. Há claro aqui algum exagero, típico de quem tem júpiter na casa 1 (voltei a estudar astrologia, fazer o quê, conseqüências desses longos seis anos provavelmente). Mas o que posso dizer, além disso, se agora parece que uma cortina se abriu para uma janela ensolarada, se agora enxergo paisagens que antes deslumbravam diariamente diante dos meus olhos - completamente ignoradas? Não sei precisar exatamente o que houve, mas agora parece que há mais luz e leveza em tudo. Uma amiga espírita me disse que, como os personagens do livro existiram, foram pessoas como nós, os seus espíritos me assombraram (inspiraram?) esses anos todos, enquanto eu escrevia o livro. Ui. Incrível como eu, tão chegada a esses assuntos, nunca considerei essa possibilidade. Se foi assim, como diz o querido poeta, tudo vale a pena se a alma não é pequena. E espero que não tenha sido, que tenha sido-seja grande, alta, iluminada. Espero sinceramente que o livro tenha alcançado alguma veracidade e profundeza da existência de Eufrásia e dos outros, mas, principalmente ela, a incrível mulher que ela foi.


Mas queria dizer que, neste livro, o movimento da criação foi oposto ao do livro anterior, A pequena morte e outras naturezas, de contos. Com os contos, o mundo exterior me inspirava, eu observava as pessoas, as ouvia, tirava delas material para as histórias. Imagens, situações, música, paisagens, gente, aulas, textos, poesia, prosa, tudo, tudo me despertava, me inspirava, me imbuía. Havia um fluxo de troca muito interessante e bom, eu absorvia o exterior, tornava-o meu, e o devolvia através da escrita, de volta ao mundo. Neste romance, não. Foi tudo diferente. O movimento foi muito mais de dentro para fora, de dentro para dentro. O mundo não me inspirava. Não como antes. Houve, sim, músicas, filmes, livros, muitos livros, imagens da época, mas sempre de um modo muito introspectivo, dentro de um universo muito próprio. Eu também falava sobre o livro e trocava idéias com as pessoas, mas ainda assim todo o ato criativo era obscuro, moído (Não estou achando a palavra certa. Não quero dizer que eu me fechava de propósito. Na verdade, fazia grande esforço para me abrir). Talvez isso tenha acontecido porque a história se passava no século XIX, e eu precisei me transportar, o que acarretou em certo fechamento para este nosso mundo. O que me inspirava era apenas o que trazia o século XIX para mim. Não sei se isso é bom ou ruim, certo ou errado, mas acho curioso como a atmosfera e o universo da história determinaram o processo criativo, e não eu.