1.3.08

Canto de Cecília para um sábado de chuva



Murmúrio


Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.


Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.


Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!



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Motivo da rosa


Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos ao longe,
o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.



(Cecília Meireles)

3 comentários:

mvsmotta disse...

Achei seu blog na Estação das Letras e fiquei aqui me distraindo um pouquinho na sua fonte. E além de tudo temos algo em comum: Nelson realmente vale mais do que uma aula de Ioga.

Abraços

Anônimo disse...

Li "tiro nas letras" que você escreveu pro rascunho. Eu estava matando aula em uma livraria, matutando forte com meus neurônios justamente sobre aquilo que você trata no texto, quando peguei a página do jornal aleatoriamente. Ler aquilo foi um alívio. Vi que não era só loucura minha, que existe algo realmente podre no mundo das palavras atualmente. As poucas aulas de literatura que tenho no meu curso de cinema me deprimem profundamente. Até a um ano atrás, no colégio, eu matava o máximo que podia delas porque todas me tiravam o tezão da coisa, principalmente a poesia. Não me assusta que hoje eu conheça um ou dois da minha geração que tenha prazer em ler poesia. Quando se apresenta um autor em sala, automaticamente surge uma longa distância entre ele e o aluno. Como alguém meio sobrenatural, um gênio indiscutível. E é isso que eu não gosto. Eles eram exatamente como todos nós, estavam vivos e inquietos como nós. Bom, você deixou minha tarde suportável, muito obrigado.

Claudia Lage disse...

Matias, eu me vi no seu comentário, me vi matando aula na livraria também, como tantas vezes fiz. É paradoxal alguém fazer curso de Letras, como eu fiz, e de cinema, como você faz, e matar aula em uma livraria... É como se recusássemos aquilo que nos dão como literatura e retornássemos à fonte... o início de tudo, o verdadeiro amor.
Você também tornou a minha tarde, noite, o dia suportável.
Muito obrigada e um beijo
Claudia