5.6.07

O martelo de Cortázar

"Esse escritor (o rebelde) parece ver no literato vocacional o homem que, de etapa em etapa, de escola em escola, vem aperfeiçoando um martelo desde o fundo dos séculos, polindo-o, melhorando sua forma, mudando detalhes, adorando-o como sua obra-prima e a culminação de seu esforço, mas sem o sentimento essencial de que todo esse trabalho deve finalmente levá-lo a empunhar o martelo e começar a martelar. Esse escritor segura o martelo tal como lhe foi dado, sem olhar para ele ou no máximo estudando-o até aprender a manuseá-lo direito; mas toda a sua atenção já está concentrada em outra coisa, no prego, naquilo que motiva o martelo e o justifica. E, desde que o século começou, muitas vezes esmagou os dedos por não olhar o martelo; mas não se importa com isso, porque faz parte do jogo, e depois ainda se bate melhor. Com vontade e eficácia mais acirradas. [...] se quisermos saber seu motivo para empunhar o mesmo martelo tradicional e se lançar à construção da sua cidade do sol, ele nos responderá descaradamente que em primeiro lugar é preferível lançar mão de uma ferramenta pronta antes que forjar um utensílio novo e, depois, que essa ferramenta continua sendo a mais eficiente para bater num prego, se realmente for usada para isso; e que, de mais a mais, ela é a mais cômoda."

Nenhum comentário: