4.10.07

Estranha ficção, fricção

Não deixa de ser instigante o fato de que meu livro tenha sido feito no vazio. E só por isso ele se fez. Quando comecei a escrever, estava cheia de informações reais sobre a história e os personagens. O "início-meio-fim" estabelecidos, embora o "como" não estivesse. Escrevi quase cem páginas que acabaram no lixo. Eu seguia os passos dos eventos como salva-vidas dispersos na imensidão do mar. Então, lembrei do meu processo com os contos. As histórias saiam do nada, uma imagem, uma idéia, um clima, uma atmosfera, uma pequena situação, uma frase que puxava outra. E, enquanto escrevia, a pergunta constante, e agora? e agora? E a história se fazia, da forma que necessitava se fazer. De certo modo, eu não tinha muito a ver com isso. Ia sendo levada, me deixando levar, seguindo as pistas que a própria escrita me dava, me ajeitando ao seu modo, decifrando a sua língua, confiando que de alguma forma iria chegar ao ponto final, embora nao soubesse muito bem como, e colaborando na medida do possível para que meus sustos, angústias e receios não atrapalhassem o caminho.

Lembrando disso, joguei as cem páginas no lixo e respirei fundo. Larguei as pesquisas e respirei fundo. Afoguei os salva-vidas no mar e respirei fundo. Esqueci que meus personagens foram pessoais reais e respirei fundo. Matei a idéia de que contava uma história "acontecida" e respirei fundo. Muito fundo. Destrui todas as certezas, todos os fatos estabelecidos e comecei. Fui escrevendo como se não houvesse nada a minha frente. O vazio. Foi preciso destruir toda a lógica consensual do que seria o enredo, foco narrativo, os personagens, blá blá blá e etc e tal para não ter nada nas mãos, a não ser a imaginação e a linguagem.

E agora? E agora? Comecei a me perguntar a cada página, a cada novo dia diante do PC.

Então, de alguma forma obscura, suspreendente para mim, as palavras vieram e o romance se fez.

Foi exatamente isso: no momento em que se tornou imprevisível, aconteceu.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caramba! Que beleza. Esse texto dá muito pano pra manga, pra quem for pensar nos esquemas narrativos ou nas relações, por exemplo, entre Literatura e História. Dá vontade da gente pedir mais, tal o nível da discussão, da própria formulação das questões. Dá-dá-dá!