10.10.07

Dostoiévski

Hoje entrei numa livraria e vi lá vários livros do mago russo em nova tradução, pelo professor Paulo Bezerra. Oba, boa desculpa para ler e reler o mestre dos subterrâneos e do humor triste. Perguntei ao livreiro se O adolescente havia sido traduzido também. Ele achava que não, mas prometeu se informar e me dizer depois. Fiquei por ali vagando entre as prateleiras me lembrando do meu primeiro encontro com Dostoiévski. Foi assim: eu tinha 16 ou 17 anos e era sócia da biblioteca Municipal de Niterói. Toda semana ou de 15 em 15 dias lá estava eu em busca de um novo livro. Gosto muito de lembrar dessa época, quando a minha relação com a literatura era simplesmente de fome. Eu não queria ler autor tal ou literatura do país tal ou da época tal. Meu Deus, eu só queria ler.
Então, entrando nas fileiras repletas de livros e poeira, fui vendo as lombadas aqui e ali até que me deparei com uma com o título O adolescente. Apenas isso. Apenas isso e eu tinha 16 ou 17 anos. Não conhecia o autor. Um nome esquisito, difícil à beça de falar. Peguei e levei para capa o livro de mais de 300 páginas acreditando que, pelo título, a história poderia ter quem sabe alguma coisa a ver comigo. Ingenuamente, comecei a ler. E talvez tenha sido ali entre aquelas páginas que uma parte de minha ingenuidade se foi. A narrativa, na primeira pessoa, é sobre um filho ilegítimo, criado entre estranhos. A sensação maior do personagem é que tudo em sua vida não lhe pertence, inclusive o seu nome. Lembro que simplesmente não conseguia parar de ler, acordava e dormia com o livro velho e empoeirado da biblioteca ao meu lado. No final, retardava a leitura para a última página demorar. Em nenhum momento pensei: quem é esse tal de Dostoiévski? Estava apaixonada pela história, pelo jeito da escrita, não pelo autor. Devolvi o livro no balcão da biblioteca triste de não poder deixá-lo em casa. Fiquei perdida sem saber qual seria o próximo que eu iria ler. O que eu poderia ler, depois daquilo? A bibliotecária deve ter percebido minha cara tonta e perguntou se eu queria alguma ajuda. Mostrei o livro que eu devolvia e ela me perguntou se eu tinha gostado. Fiquei assim muda sem saber o que dizer. Gostar não era bem a palavra, ou o verbo. Gostar a gente gosta de uma fruta, de um suco, de um garoto na escola. Eu tinha... amado? me apaixonado? Não sei. O livro tinha me deixado transtornada, comovida, deslumbrada, doída. Foi uma brutal experiência estética, sei hoje, talvez. Mas na época só sabia que tinha me enlouquecido. E talvez saber apenas isso seja realmente o bastante, mesmo hoje.
Eu e a bibliotecária acabamos nos entendendo. De um modo que não sei dizer qual foi, ela percebeu que eu havia "gostado" e então fez as devidas apresentações. Por sua boca fiquei sabendo que Dostoiévski era um grande escritor russo, do final do século XIX. E me mostrou outros livros dele. Não lembro exatamente porque, Deus queira que não seja pelo título, escolhi O idiota e sai da biblioteca repetindo o nome do autor com a sensação de que havia conhecido uma pessoa que me seria cara para sempre e com a frase da bibliotecária na cabeça: um grande escritor. Hoje, fico feliz em lembrar que antes de saber que Dostoiévski era um grande escritor para o mundo, nosso encontro às escuras já o havia tornado grande para mim.

4 comentários:

Anônimo disse...

Que maravilha reencontrar seu blog atualizado! E que saudades...
Herdei (literalmente) há pouco a coleção de Dostoievski, encadernada, editada pela José Olympio em 1962. Os volumes que eu tinha do autor estavam se desmanchando, eram brochuras... A tradução e prefácio de O Adolescente é do Lêdo Ivo.
E seu tesão de doutorado,heim, fessora???????
Beijos
Maju

Anônimo disse...

Oi Claudia
Adorei te ver(ler) por aqui.
adorei seu encontro com Dostoiévski.
Lindo. Faminto. Adolescente.
beijo, Eduardo Bakr.

Tulipa disse...

Gostei muito de seu livro A Pequena Morte e Outras Naturezas. Apresentei no começo deste ano um trabalho na UFRJ sobre três contos dele: "A festa de Bete", "Espaço finito" e "Gravidade". O texto completo foi publicado no site do Grêmio Cultural da Faculdade de Letras, caso você tenha curiosidade de ler:
www.ciencialit.letras.ufrj.br/gcanacesar/trabalhos/simposio2/marianacorreiamourente.html
Um abraço,
Mariana

Anônimo disse...

"Encontro às escuras": você, Cláudia, é dessas raras que têm isso com a literatura, e que promovem isso também.
Pode ser até aqui, num post que se lê como se nem fosse nada demais, e que de repente a gente sabe que é coisa grande - é só questão da gente de se dar ao trabalho de ver e reconhecer.
Muito lindo. Quem dera o encontro com a literatura fosse sempre essa liberdade com sorte e essa explosão íntima.