25.4.07

CLARICE

É aparentemente paradoxal, mas às vezes tenho a certeza de que o que atrapalha a escrever é ter de usar palavras. É incômodo. É como se eu quisesse uma comunicação mais direta, uma compreensão muda como acontece às vezes entre pessoas. Se eu pudesse escrever por intermédio desenhar na madeira ou de alisar uma cabeça de menino ou de passear pelo campo, jamais teria entrado pelo caminho da palavra. Faria o que tanta gente que não escreve faz, e exatamente com a mesma alegria e o mesmo tormento de quem escreve e com as mesmas profundas decepções inconsoláveis: viveria, não usaria palavras. O que pode vir a ser a minha solução. E se for, bem vinda.

Sou incapaz de me sentar diante da máquina e de ir desenvolvendo um esquema pré-estabelecido, eu simplesmente escrevo o que vem. É assim: eu tomo notas de frases que me vêm, vejo que elas se ligam umas com as outras e já começo a escrever o livro. Não escrevo desta minha maneira pra ser de vanguarda, pra romper com os padrões literários, nada disso. Por exemplo: eu já fui hermética e hoje acho que não sou mais, a coisa vai-se espairecendo sem premeditação. Quanto ao adjetivo qualitativo, só os outros é que podem dar, eu não posso dar.

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