5.7.06

Sabe? - parte I

Sabe quando você acorda, pula da cama feliz porque tem o dia inteiro pela frente para escrever? E sabe quando você acorda, pula da cama feliz porque tem o dia inteiro pela frente para escrever e no meio do café o telefone toca com um trabalho urgente para ser entregue até o meio-dia? E sabe quando você faz o trabalho urgente até o meio-dia e fica de novo feliz e saltitante porque afinal de contas ainda tem a tarde e a noite inteira pela frente para escrever e escrever? E sabe quando você abre o arquivo do word e começa a ler as palavras e a se envolver com aquilo e tal e aí se lembra que é o último dia para pagar aquela conta no caixa eletrônico e você pensa que é melhor pagar logo antes de esquecer de novo e depois ter que enfrentar fila quilométrica de banco? E sabe quando você olha a frase que estava escrevendo sem lembrar mais porque estava escrevendo daquele jeito e se entristece um pouco porque parecia uma boa frase afinal e a idéia na tua cabeça prometia mas agora não promete mais? Sabe quando você fecha o arquivo do word jurando que não vai demorar a abrir, que vai ser rapidinho, uma saidinha e pronto? E sabe quando você desliga o computador com a mesma sensação que se despede um amigo que você não sabe mas intúi que vai ficar um tempão sem ver? E sabe quando de repente no meio da rua entre um pensamento qualquer e outro vem a idéia daquela frase promissora que tinha se perdido antes? E sabe como é ter a idéia de novo no meio da rua e nenhum papel nem caneta para anotar? Sabe o que é ficar correndo de esquina em esquina falando sozinha repetindo a tal frase atrás de papelaria, papel, guardanapo serve, caneta bic, de camelô, qualquer uma desde que escreva? Sabe o que é ficar em casa com bloqueio criativo dias, horas, olhando o teto, as paredes, tomando café, horas, horas, sem conseguir escrever uma frase sequer, e, depois, basta colocar os pés na rua para ser fulminada por nada mais nada menos do que a santa inspiração? Sabe o que é ter uma frase atrás da outra passando pela tua cabeça ao mesmo tempo em que você pensa, que ótimo, como não pensei nisso antes, e ao mesmo tempo também em que sabe que se não anotar logo daqui a pouco vai esquecer? Sabe o que é enfim achar uma papelaria-esperar pela sua vez- quase implorar para ser atendida-pedir papel, não tem, bloquinho serve, caneta, qual, a mais barata, ficar na fila do caixa, pagar, troco e então-enfim- sabe o que é escrever em pé andando e já sentindo todas aquelas frases e idéias desvanecendo como um lindo pôr-do-sol atrás do monte? Sabe o que é voltar para casa depois de ter ido no banco, almoçado pela rua mesmo, aproveitado para dar um pulo numa lojinha que tem umas frutas ótimas, ido rapidinho na costureira para pegar uma calça, ter dado uma passadinha no mercado porque se lembrou que o pão e o queijo tinham acabado, e também detergente, e sabão em pó, e Veja, e para o jantar um frango, e, enfim, ao chegar em casa, sabe o que é olhar o relógio e ver que são cinco horas da tarde e que o dia inteiro que tinha pela frente para escrever já estava ficando todo para trás?
E sabe o que é enfim e de novo ligar o computador e abrir o arquivo com a sensação vazia de que embora você quisesse muito não há nada nada nada a dizer?
E sabe o que é ver a noite chegar com o word aberto e as palavras inférteis, como um ventre seco?
Sabe o que é ligar a TV dizendo a si mesma que é só um descanso de 15 minutinhos mas acabar vendo o programa inteiro e o outro e o outro, com o laptop ligado no colo? Sabe o que é enfim desligar o computador, não a TV, sem saber o que fazer com o dia perdido?
Sabe o que é ir para a cozinha preparar o frango com o terrível alívio de que pelo menos o coitado - grelhado ou ensopado - vai sair?
Sabe? Sabe?Sabe?

7 comentários:

Anônimo disse...

Sei! Sei! Sei!

Anônimo disse...

Essas coisas acontecem mesmo! Muito bom o seu blog. Parabéns!

Anônimo disse...

Claro que sei. Este poderia ser o meu diário ... rsrsrsr e o de muitos outros escritores. O da maioria, eu diria. E às vezes quando a idéia finge que volta, a gente ainda deixa o frango queimar. Beijos, querida!

Tatiana Levy disse...

se sei.... ô!
adorei esse textinho.
bem, nos vemos amanhà e nos falamos mais.
bjoks

Anônimo disse...

Ai, ai, como sei!
Quando puder encontrá-la, levarei um bloquinho que caiba em qq. bolsa. Caneta ídem... Sonho com este romance em gestação.

Fugu disse...

Sei sim ... mas só uma escritora como você sabe botar dias doidos em palavras desse jeito ... beijo você!

Anônimo disse...

Sei. Sei mesmo! E eu aqui, a idiota, pensando que era só comigo.
O Abraço