21.6.06

falso ponto final

Mesmo falso, aí está. E o olhar volta para a primeira palavra, primeiro sopro, a primeira frase. Todo o contexto da vida que envolvia aquele momento. Tudo que estava por detrás das palavras. Tudo o que a palavra não diz, mas que, de certa forma, a alimenta. A alimentou. E como tudo mudou. Junto com o texto. Parece que a pessoa que escreveu aquele início não existe mais. Estranho ver esse deslocamento de uma coisa que saiu de você. É esquisito mesmo ver como o texto toma vida própria. Ele, simplesmente, te esquece.

Essa distância tem uma vantagem. Com o cordão umbilical arrancado à força e a tesouradas, o olhar para o texto muda totalmente. Ainda é o seu texto. Mas é como se você estivesse na sua casa, e, de repente, alguém liga dizendo que vai te visitar. Danou-se. Você enxerga a louça suja na pia, enxerga a marca quase imperceptível na parede, enxerga o taco solto, o pó nos móveis. Enxerga tudo, enfim, que já estava lá, mas o seu olhar acostumado passava batido. É muito bom quando isso acontece. O olhar do autor se torna estranho ao próprio texto. Os defeitos aparecem. E a essa altura não se tem mais pena de mudar, cortar, riscar. Na verdade, nunca tive esse dedo leve. Sempre peguei com mão pesada. Já joguei fora, deletei, reescrevi. Reescrever, então, merece um capítulo à parte. Reescrever parece a recompensa de tudo que foi escrito. Está tudo lá, agora é só diversão.
Dizer a mesma coisa de uma outra forma. Experimentar maneiras mais interessantes. Brincar com as palavras, a sonoridade, o ritmo. Sem pressa de seguir adiante. Passar um tempão bolirando um parágrafo, uma página. Delícia.

2 comentários:

Fugu disse...

Bem de acordo com o nome do blog, o que você faz aqui é um desnudamento do processo de criação. Como todo desnudamento é bonito e corajoso. Despudorado, como os seus textos impressos. Beijo você.

Claudia Lage disse...

Fugu,
A vontade é de tirar as cortinas da criação, porque acredito que de certa forma o processo é tão importante quanto o resultado.
Beijo você também.