2.5.06

O PONTO FINAL

Sim, confesso, estou vivendo a crise do ponto final. Essa paisagem tortuosa e torturante, sedutora e irresistível, esse ponto-horizonte que persigo dia a dia, frase a frase, pelo qual me lanço a passos largos e miúdos, arfante e incansável, língua de fora, boca seca, esperançosa e desejante. A visão alucinada de teclar o . na última página e ver o espaço branco depois, de quem não tem mais nada a dizer.

Acostumada com contos, cujo ponto final é um horizonte próximo e provavél, entrei na escrita deste romance sem saber o que me esperava: dias, meses, anos convivendo com os personagens, seus caminhos, suas emoções, seus destinos. São vidas inconclusas que te acompanham até serem concluídas, e ninguém mais pode concluí-las, a não ser quem as inventou. No conto, as vidas se concentram intensas e os personagens vivem determinada experiência e pronto. No romance, os personagens envelhecem junto com o autor. Sei que não é assim com todos, mas está sendo assim comigo. É um fio que se estica até não poder mais, é dormir e acordar acompanhada dos personagens e de suas tramas. É muita gente para uma cama só! Os personagens são pessoas egoístas, eles invadem a sua vida e não querem saber. A invasão é, ao mesmo tempo, bem-vida e mal-vinda. Eles não sabem que existe uma coisa chamada limite. E parece que o escritor também não. Há dias que nos entendemos há mil maravilhas, outros dias a comunicação é cheia de ruídos, impossível. Há dias de silêncio, dias de euforia. Dias emotivos, dias de planejamento. São muitos dias até o último.
É uma delícia, confesso.
E também não é.
Porque parece que tem um mundo dentro de você querendo sair de uma vez só num jorro incessante intenso explosivo de efeito imediato e definitivo - como no conto -
mas este mundo sai pouco a pouco num processo pingado de gotas extensas e profundas - mas lentas e de efeito prolongado - como o romance
É como ter uma panela pressão na cabeça, que deixa o ar escapar num fio para não explodir. Ou como estar numa grande sala lotada de gente com uma única saída para todo mundo. Não adianta, tem que sair um de cada vez.
Até a última pessoa deixar o salão.
Até a última frase despontar no horizonte.
Até chegar a hora do ponto final.
Explico: não é o desejo de me livrar do trabalho, como se fosse um fardo. Não é isso. O processo é maravilhoso, escrever é minha alegria. Não é isso. É a necessidade de ver o mundo criado pronto, erguido, construído. No conto, este mundo se ergue rápido. Fica a estrutura pronta para ser retrabalhada nos detalhes. No romance, essa construção é uma grande obra. Por isso, quero o ponto final, para poder me afastar e ver de longe como é afinal este mundo que construí.
Enquanto isso, pelo menos aqui:
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5 comentários:

Anônimo disse...

Eu queria saber se vc depois consegue largar esse personas. Ja aconteceu de algum ficar preso a vc?

Anônimo disse...

ihh..to torcendo para seu ponto final chegar logo...
desse jeito, o que é para vc o 'ponto final'
pode ser para nós ,o grande publico,
o leitor
o espectador , oexperimentador ,,um magnifico ponto e virgula ; tchan tchan tchan tchan
ps. estva tentando postar lá.. mas a pg não foi..

Anônimo disse...

Olá Professora!

Quando leio seus textos, parece que estou ouvindo você falar.(rs)
Espero que "O Ponto Final" seja apenas o começo de muitas outras obras de sucesso.

Abraços,
Paz e Bem,
José Eduardo Gouvêa

Fugu disse...

Cláudia, ponto final não existe. Escritor está sempre escrevendo. Somos nosso próprio texto, nossa própria construção. Mas vou adorar ver seu livro novo. Beijo você.

Claudia Lage disse...

Plaz, os personagens dos contos tomaram vida própria e seguiram seu caminho. Os do romance, apesar de estarmos juntos há quatro anos, espero q façam o mesmo. Até para outros personagens chegarem, não?
Na verdade, acho q no processo criativo as coisas vão aos poucos omando o formato q tem q ser.