30.7.07

Um dia qualquer

Num dia frio de verão, ele sonhou em ler um livro, como se faz num dia frio de inverno. Colocou um casaco, a manta sobre as pernas e abriu as páginas, sem desconfiar que o sol iria sair das nuvens em breve, derreter de suor sua pele e cegar com claridade fulgurante seus olhos.
Num dia quente de inverno, ele sonhou em ir à praia de protetor solar e óculos escuros, como se faz num dia quente de verão. Não se preocupou em levar casaco ou guarda-chuva, sem imaginar que alguns minutos de sol era o que lhe restavam antes do vento arranhar com areia as lentes escuras e antes do mar derrubá-lo e engoli-lo com suas ondas gélidas.
Num dia qualquer, ele deixou as janelas fechadas e decidiu escrever, como se faz às vezes em um dia qualquer. No seu texto, os dias de verão eram sempre muito quentes e os dias de inverno muito frios. O sol queimava e o frio gelava perfeitamente onde se devia esfriar e esquentar.
Nesse dia, não havia dúvidas.
Nesse dia, ele não sonhou.
No dia seguinte, foi encontrado morto e sozinho, como acontece no dia seguinte a morte, quando se mora sozinho.
Disseram que morreu asfixiado pela fumaça dos milhares de papéis que queimou, provavelmente na tentativa de fazer uma fogueira.
Disseram que morreu tentando abrir as janelas que ele próprio havia trancado com cadeado e jogado as chaves fora.
Encontraram retalhos das páginas incendiadas com histórias nas quais as pessoas morriam congeladas no inverno e queimadas no verão.
Leram as frases sobreviventes, com imensa piedade.
Tão jovem, alguém disse.
Em seguida, foram cuidar do enterro, que não havia dúvidas de que aquele homem estava mesmo morto.